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O DEMÔNIO DOS 15 DIAS

A maioria de nós tem um longa lista mal organizada dos comportamentos que gostaríamos de ter, uma série de coisas que gostaríamos de fazer diferente. Se alimentar melhor, se livrar do excesso de peso, se exercitar, meditar todos os dias, estudar aquela matéria importante, brincar com os filhos, ler bons livros, selecionar bons filmes etc. Estou convicto que você, caro leitor, também tem uma lista dessa no fundo da mente e muito provavelmente ela sequer está no formato de lista, surge aqui e ali um desejo e impulso de mudar algo.


Já estou no segundo parágrafo e ainda não expliquei essa história de demônio e muito menos o que 15 dias tem a ver com essa palavra tão fora de moda para alguns. Por demônio aqui me refiro a ‘forças’ que impedem o nosso progresso, que nos atraem aos comportamentos de quem temos sido nos prevenindo o pleno nascimento de quem seremos em breve. Refiro-me aqui aos demônios internos, pois eles é que são os mais perigosos. Os externos podem no máximo explorar essas fraquezas internas, se tiverem chance.


Os internos é que precisamos vencer, a luta sagrada é interior. Assim podemos nomear certas forças que nos atrapalham como forma de dar evidência a essas tendências que de outra forma passariam despercebidas. Os demônios só têm alguma força nas sombras, diante do sol eles nada podem.


"Refiro-me aqui aos demônios internos, pois eles é que são os mais perigosos."


Para entender os 15 dias, imagine quando estamos formando um novo hábito, por exemplo, decidimos que vamos nos alimentar 80% super-saudável, verduras e frutas orgânicas cruas, ou poderia bem ser qualquer um dessa longa lista de mudanças necessárias. Vencemos a barreira inicial, a inércia do hábito antigo, fizemos um curso online, aprendemos o que precisamos fazer, fizemos as contas, as compras, os novos ritmos, iniciamos o novo hábito. Os primeiros dias não são fáceis, muita adaptação, sintomas de abstinência, dor de cabeça, fome, mas nos mantemos firmes na intenção, vencemos as tentações.


Já na segunda semana, tudo vai bem, sentimos muito mais energia, disposição, recebemos elogios de admiração sincera das pessoas, estamos decididos que esse é o melhor. Estamos de parabéns.


"Os internos é que precisamos vencer, a luta sagrada é interior."

Chegamos então aos 15 dias do novo hábito. Aí que somos tentados pelo demônio dos 15 dias, ouvimos uma voz interna “ah, isso é fácil, o que preciso agora é me exercitar” ou “será que essa alimentação vai me emagrecer ao máximo, ou talvez eu precise fazer um dieta de verduras orgânicas que seja também low carb” ou “preciso urgentemente melhorar minha produtividade, a minha alimentação já está boa”.


Entende? Somos levados a subestimar o tempo necessário à formação de um novo hábito, ao nascimento da nova identidade. “15 dias” do início e já estamos interessados em outro ganho, a mudança já aparenta muito lenta, e queremos mais. Claro que 15 dias aqui é apenas uma referência a uma certa pressa que subestima o tempo necessário, pode ser 10 ou 20, etc.


Nossa pouca força de vontade diária passa a ser usada para outra coisa antes que a primeira se torne um hábito, um estilo de vida. Esse é o perigo, daí começamos a pesquisar e querer mudar algo novo e por distração nos vemos sem a nossa comida planejada, valorizando outras coisas, caímos na estaca zero de novo.


A esse impulso de falta de aceitação de si mesmo, de falta de paciência com o tempo necessário para a mudança natural chamo nesse artigo de demônio dos 15 dias.


Conheço esse adversário por ter travado inúmeras batalhas inconscientes com ele e perdido muitas, até que o reconheci e me preparei para vencê-lo. No mínimo 28 dias com a força de vontade direcionada a um único novo hábito, especialmente aos 15 dias quando parecer fácil demais. E o resto? e o exercício? e a produtividade? Não será pouco demais mudar um único hábito por todo um mês? Se você se pergunta isso, imagine o que são 8 novos hábitos em um ano, 8 novos hábitos para a vida toda, todo ano! É uma transformação total em poucos anos.


Por outro lado, sentir culpa de onde está e querer tudo agora é enxugar gelo.


Todo hábito precisa ser composto de 3 fatores fundamentais, o gatilho, o procedimento e a recompensa. Imagine escovar os dentes, por exemplo: O gatilho é quando o hábito vai ser executado, quais condições “despertam” o hábito, ou seja, após as refeições e ao acordar. O procedimento é o passo a passo que seguimos, ou seja, pegar a escova, abrir a pasta, fechar a pasta, escovar numa certa direção etc. A recompensa é um prêmio que nos damos logo após o hábito, após escovar os dentes, sentimos nossa boca limpa. Damos um sorriso bonito no espelho, imaginamos rapidamente sorrindo com os dentes limpos, etc.


Precisamos manter nossa atenção nesses três fatores, e não negligenciar nenhum deles, especialmente a recompensa. É aí que o demônio dos 15 dias pega muita gente, por já estarem interessados em uma outra mudança, negligenciam a recompensa depois negligenciam os procedimentos e finalmente negligenciam os gatilhos.


Continuar fazendo o comportamento mesmo que seja apenas um pouco é fundamental para a transformação da identidade.


Meditar 10 minutos, uma refeição super-saudável ao dia, 20 minutos de exercício, já vai transformar, abrindo caminho para o crescimento do broto que se transformará numa grande árvore muito difícil de arrancar.


Ter mais paciência e mais aceitação consigo é a condição para manter a energia focada no brotar de um novo comportamento até que esse seja um estilo de vida. É preciso ter aceitação com as outras tantas limitações que precisam de mudança, para manter o foco na plantinha do que estamos mudando agora. Apenas com mais dias regados pela água diária da firmeza de propósito, o novo comportamento penetra raízes profundas e se torna um estilo de vida, uma maneira de ser, uma grande árvore que abriga os pássaros e oferece abundância de frutos na nossa versão particular da vida plena para o benefício de nossos entes queridos e da humanidade.


* Julio Lins tem dedicado sua vida ao estudo da meditação atenção-conscientização e da

ação centrada em valores. Médico, fundou o programa Atentamente.

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